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Associações LGBTs podem propor ações diretamente ao STF, decide o Min. Barroso

Fagasclipping: Análise jurídica da FAGALI sobre atualidades e licitações

 


Associações LGBTs podem propor ações diretamente ao STF


Min. Barroso decide que associações LGBTs podem sim reivindicar a efetividade dos direitos de seus representados diretamente ao STF


Legitimidade foi reconhecida mediante interpretação da Constituição Federal de 1988


Direito Público, Direito Publicitário e da Comunicação, Compliance, Direito Anticorrupção, Direito Eleitoral e Direito Parlamentar

FAGALI, Direito Público, Direito Publicitário e da Comunicação, Compliance, Direito Anticorrupção, Direito Eleitoral e Direito Parlamentar, advogado agencia publicidade, programa de integridade, compliance social, pró-éticapor  Bruno Fagali  e  Lucas Pedroso

 

 

                    O Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, reconheceu a legitimidade da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) para ajuizar ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental).

 

                    Em brevíssimo resumo, a ADPF é a ação judicial que possui o objetivo de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público (inclusive aqueles anteriores à Constituição de 1988). No caso narrado aqui nesse clipping, o ato estatal é a não observação do conteúdo da Resolução.  O tal “preceito fundamental” seria mais abstrato do que uma norma ou princípio constitucional.  No mais, a ADPF não deve ser usada quando houver um meio mais eficaz para a conquista dos objetivos almejados (cf. art. 4º, §1º da Lei 9.982/99).  Como exemplos, a ADPF 132 esteve envolvida na discussão da união homoafetiva e a ADPF 54 permitiu o aborto de feto anencéfalo.

 

                    Mas voltando. A decisão reforça significativamente a (mais do que necessária) superação do entendimento até então dominante e pouco revisitado do Supremo, que entendia “entidades de classe” como associações caracterizadas por filiados ligados entre si apenas pelo exercício da mesma atividade econômica ou profissional.

 

                    No caso, a ação questiona uma determinada Resolução [i] que trata do público LGBT nas prisões brasileiras.  A Resolução prevê que a população gay e travesti em prisões masculinas deve contar com espaços próprios, e a transexual devem ser encaminhada para prisões femininas.  Na prática, porém, tem-se interpretado que a população transgênera deve ficar em prisões de acordo com seu sexo biológico, por razões como a já existência de espaços separados, a falta de cirurgia de transgenitalização, e a possível ameaça junto a mulheres cis-gênero, inclusive considerando os interesses das agentes de segurança penitenciária.

 

                    Em caso anterior [ii], o próprio Min. Barroso já havia determinado que a população transexual biologicamente feminina deveria ficar em prisões de acordo com sua identidade de gênero.

 

                    Pois bem, aqui se trata de medida cautelar e a decisão se concentra em julgar a existência ou não de legitimidade da Associação, isto é, se ela pode ou não discutir o tema diretamente no STF.

 

 

A decisão está dividida em três partes

 

                    Na primeira parte, o ministro aponta porque a histórica interpretação restritiva de “classe” deve ser superada.  Segundo o magistrado, essa teria sido uma interpretação utilizada logo quando da promulgação da Constituição, ou seja: há 30 anos atrás, quando o STF ainda era aquele da ditadura militar, que lidava com uma nova realidade, temeroso de que as ações seriam infinitas e a democracia poderia ser ameaçada se todos questionassem.  Não é essa a atual realidade, a democracia continua de pé e, segundo dados do ministro, as ações do tipo são menos de 1% do total [iii].

 

                    A segunda parte da decisão mostra como o objetivo da Constituição foi justamente ampliar o rol de legitimados, os meios de questionamento possíveis e os direitos fundamentais garantidos.  Assim, fundamental reconhecer a participação direta, e o controle via STF, mais rápido do que questionar individualmente todas as violações.  O ministro ainda aponta que, do contrário, tais grupos precisariam contar com a atuação do Ministério Público, da OAB ou de outro legitimado, quando os números, mais uma vez, indicam que tais instituições têm se preocupado em boa medida com seus próprios interesses corporativos [iv].

 

                    Por fim, na terceira parte, o ministro cita a “teoria do impacto desproporcional”.  A interpretação atual do STF atinge tais grupos de maneira desproporcional.  Aqui, o ministro aponta como as populações travesti e transexual são das mais estigmatizadas, vítimas frequentes de atos de violência e intolerância.  Mais ainda, o tempo médio de vida de uma pessoa transexual é de apenas 35 (trinta e cinco) anos [v].  Por fim, o ministro cita outras decisões no mesmo sentido [vi].

 

                    Diante do risco de ficar transferindo presos por canetadas, o ministro determinou que sejam ouvidas a autoridade envolvida, a Advocacia-Geral da União, a Procuradoria-Geral e o Conselho Nacional de Justiça.

 

                    Convém, registrar que segue sendo necessário, às associações que queiram defender direitos de seus associados, demonstrar (i) a atuação em âmbito nacional, e (ii) a relação entre esta atuação e a reivindicação indicada.

 

Por fim

 

                    Pensando na decisão como um todo, vale ainda destacar:

 

  a atenção do ministro à realidade, às estatísticas, aos estudos produzidos e à doutrina moderna e especializada. Por exemplo, segundo os estudos selecionados, as ações judiciais do tipo representam menos de 1% e, diferente do que muitos argumentam, não atolariam o Judiciário;

 

  que, mesmo que implicitamente, ela demonstra o papel contramajoritário do Judiciário.  Isto é, ao menos em tese, enquanto o Parlamento e o Poder Executivo são eleitos e representam a maioria, a decisão respalda o dever de o Judiciário “equilibrar”, resguardando aquelas pessoas que não formam maiorias políticas e, portanto, sub-representadas nas instâncias políticas;

 

  a decisão não mudou – e nem poderia mesmo ter mudado –  o sistema carcerário da noite pro dia. Há a Resolução e foi determinada a oitiva de outras autoridades, além de o ministro sinalizar para a progressiva discussão de tais questões em outras decisões.

 

                    Enfim, além de acompanhar como esse específico caso será concluído, importante também observar como associações como essa, de atuação nacional, e organizadas para a defesa dos direitos fundamentais de seus filiados, vão atuar para proteger e/ou exigir o cumprimento de normas e de preceitos constitucionalmente garantidos a seus filiados.

 

                    De qualquer forma, nos colocamos à disposição para eventuais esclarecimentos de dúvidas, questionamentos, auxílios ou questionamentos jurídicos envolvendo o Direito Público (tanto consultivo como contencioso).

 

                    Ah, querem ter acesso à decisão, objeto deste clipping né?  Segue o link:

MC ADPF 527

 

Fim !
(obrigado pela leitura!!)

 

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[i]  Resolução Conjunta da Presidência da República e do Conselho de Combate à Discriminação nº 1, de 14 de abril de 2014 (aqui!).

[ii]  HC 152491, julgado em 14 de fevereiro de 2018.

[iii]  Joaquim Falcão; Pablo de Camargo Cerdeira. Diego Werneck Arguelhes. Relatório Supremo em Números – O Múltiplo Supremo. O estudo abrangeu os processos recebidos pelo Supremo entre os anos de 1988 e 2009.

[iv]  Alexandre Costa; Juliano Zaiden. Benvindo. A Quem Interessa o Controle Concentrado De Constitucionalidade ? O Descompasso entre Teoria e Prática na Defesa dos Direitos Fundamentais. Universidade de Brasília (working paper), p. 1-84, abril 2014 (disponível aqui).

[v]  Relatório da ONG Transgender Europe (TGEu), disponível aqui; e ANTUNES, Pedro Paulo Sammarco. Travestis envelhecem ?, São Paulo: Dissertação de Mestrado em Gerontologia. Programa de estudos Pós-graduados em Gerontologia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010 (disponível aqui).

[vi]  O ministro cita 2 (dois) casos:

   Na ADI 4029, o min. Fux sinalizou a insuficiência da previsão constitucional do art. 103, IX citado e sua “entidade de classe de âmbito nacional”, embora se tratasse de associação composta por servidores públicos federais, do IBAMA, questionando criação do Instituto Chico Mendes, por Medida Provisória, convertida em lei.

   Já na ADI 5291, o min. Marco Aurélio foi enfático ao defender a revisão dessa jurisprudência restritiva do STF, no caso, tratava-se de IDECON (Instituto Nacional de Defesa do Consumidor), a questionar os procedimentos da ação de busca e apreensão de veículos com alienação fiduciária.  Na decisão, o ministro também cita diversos estudos e a doutrina favorável à leitura ampla da legitimidade.

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