Globo recusou veicular campanha de vacina com Xuxa e Galinha Pintadinha
Segundo emissora, recusa se deu pelas restrições de publicidade estatal em período eleitoral
Documentos demonstram que, ao menos inicialmente, recusa foi devido aos personagens utilizados
Vacinação acabou sendo 15% abaixo do esperado
por Bruno Fagali e Lucas Pedroso
O tema da publicidade estatal em período eleitoral, como já deve ter sido possível perceber, reúne alguns de nossos temas preferidos (de estudo e de atuação profissional). Nele estão inseridos, por exemplo, conhecimentos de Direito Público, de Direito Publicitário e da Comunicação e, é claro, de Direito Eleitoral.
Já tivemos, inclusive, a satisfação de estudar e escrever um artigo, publicado pelo Migalhas, que o trata diretamente. Nele, traçamos alguns comentários jurídicos sobre a tentativa de proteção do processo eleitoral contra a utilização indevida da publicidade estatal (para acessá-lo, clique aqui !) [i].
Dessa vez, trazemos abaixo a matéria publicada hoje pela Folha de São Paulo (14.09.2018, p. B1) (aliás, aproveitamos para agradecer a Bia Pereira, que tanto admiramos e que compartilhou a notícia hoje pela manhã).
É um caso, no mínimo, “curioso”, pois não é aquele típico caso de publicidade estatal em época de eleições, com um candidato ou partido descumprindo as normas vigentes para de alguma forma se beneficiarem.
Aqui, o caso retrata a recusa de um veículo de comunicação em veicular o “comercial” da Campanha Nacional de Vacinação Infantil (e, portanto, uma publicidade estatal de utilidade pública, e não institucional ou mercadológica). Uma recusa, “de algum modo“ “pautada“ pelas normas vigentes sobre a publicidade estatal em período eleitoral.
Clique abaixo e veja o “comercial”, para ter uma noção do sobre o que estamos propondo o debate (aliás, aproveite e se cadastre em nosso canal do Youtube – clique aqui !):
Uma recusa que :
⇒ coincidentemente (ou não), se deu em relação à um “comercial” no qual aparecem não os atores/personagens contratualmente vinculados ao veículo de comunicação em questão, mas vinculados aos seus concorrentes;
⇒ como poderão inferir (ou não, vai saber…), se deu tanto de modo ativo (“não vamos fazer”), quanto de modo omissivo, procrastinando a resolução da questão até o momento em que o timing necessário já tivesse se perdido (“vamos analisar”, “logo lhe responderemos”);
⇒ ocorreu mesmo tendo o presidente do TSE expressamente autorizado sua veiculação (mediante ato que a própria emissora, se quisesse e não o tivesse recebido da agência de publicidade, poderia ter solicitado diretamente para o Tribunal)
⇒ muito provavelmente, em alguma medida deve ter contribuído para os resultados da vacinação de crianças ter sido muito abaixo do esperado e do necessário.
Outra coisa que merece ser destacada aqui (e juramos que é a última): tudo isso só pôde ser descoberto através da LIA (um importante e conhecido ponto de encontro entre o Direito Público e o Direito Publicitário e da Comunicação) !
Pronto. Segue abaixo a reportagem comentada.
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Globo se negou a mostrar campanha de vacina com Xuxa e Galinha Pintadinha
autoria de Fábio Fabrini
(Folha de São Paulo, 14.09.2018, p. B1)
Dona da maior audiência em TV aberta, a Globo se recusou a veicular comerciais da campanha nacional de vacinação infantil contra o sarampo e a poliomielite.
Conforme e-mails obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação, um dos motivos alegados pela emissora foi a presença de personagens de mídias concorrentes, como a Galinha Pintadinha, no filme apresentado pelo Ministério da Saúde.
Os índices de imunização de crianças atingiram em 2017 a pior marca em 16 anos (ver aqui !), como noticiou a Folha em junho. A atual campanha, focada em pólio e sarampo, durou inicialmente de 6 a 31 de agosto, mas os resultados almejados pelo governo não foram alcançados. A mobilização terminou com 80% do público-alvo vacinado, embora a meta fosse de pelo menos 95%.
Por esse motivo, foi necessário prorrogá-la até esta sexta (14.09.2018). Na segunda fase, não houve propaganda em TV.
Principais concorrentes, Record, SBT, Band, Rede TV e TV Brasil mostraram as peças. Autoridades do ministério avaliam que a adesão da emissora mais assistida no país era fundamental para o sucesso da campanha na reta inicial.
O filme tinha Zé Gotinha ao lado da Galinha Pintadinha, de um personagem do game “Just Dance” e de Xuxa, madrinha da campanha, esta em dois momentos: nos anos de 1980, quando alcançou o estrelato na Globo, como “a rainha dos baixinhos”, e agora, após migrar para a Record.
Em e-mail de 12 de junho enviado à agência Fields, contratada pela Saúde, o executivo de Negócios da Globo André Timóteo disse que não seria possível mostrar a campanha por uma série de restrições.
Sobre a galinha, justificou:
“Além do canal Youtube, é um desenho animado disponível em plataformas de streaming (Netflix). Sendo assim, não pode ter veiculação da Globo“.
A respeito de Xuxa, ele escreveu que a TV,
“infelizmente”, recusa mensagens publicitárias com “personagens de programas da Globo ou que tenham a finalidade de evocar determinado personagem ou programa da Globo ou emissoras concorrentes“.
O executivo acrescentou que seria importante que a apresentadora aparecesse no estilo anos 80, caracterizando mensagem publicitária antiga, mas não o “Xou da Xuxa”, seu extinto programa na Globo.
Sobre o personagem de “Just Dance“, Timóteo citou a possibilidade de a empresa responsável pelo jogo ter ganhos com a veiculação. E completou: “Infelizmente, para veiculação na Globo, precisamos atentar a essas questões“.
Por causa das restrições à publicidade oficial no período de eleições (confira nosso artigo sobre isso aqui !), a campanha teve suas peças submetidas ao TSE e aprovadas em 29 de junho.
O ministro Luiz Fux liberou a veiculação, com a ressalva de que não constasse referência ao governo federal (sobre o tema, ver aqui !).
A recusa da Globo ensejou apelos do ministério e do Palácio do Planalto, segundo envolvidos na negociação. Diante disso, a TV sinalizou um recuo e informou em 1º de agosto (primeiro dia de veiculação do filme em TVs) que o mostraria “mesmo com a aparição do desenho animado da Galinha Pintadinha“.
Mas apresentou uma nova restrição. Apesar da autorização dada pela Justiça Eleitoral no fim de junho, a executiva de negócios da TV Clarice Lima informou:
“Estamos neste momento em processo de decisão sobre a assinatura do material, a partir da autorização do TSE, e logo retornarei com uma posição definitiva”.
Por fim, a campanha foi reprovada pela Globo. A TV alegou que, embora não constasse a logomarca do governo federal, o filme vinha com a inscrição do ministério. Justificou que, uma vez que o ministério integra o governo, seu entendimento é o de que não poderia haver referência ao órgão. A emissora, então, sugeriu que a questão fosse novamente submetida ao TSE.
Naquela altura, no entanto, a campanha de vacinação já estava em curso. As concorrentes da Globo mostraram as peças com Xuxa, Galinha Pintadinha, “Just Dance” e a assinatura do ministério.
A identificação da Saúde não foi retirada porque, segundo a pasta, a Constituição veda a divulgação de publicidade apócrifa (sem indicação de autoria). A exigência da Globo, segundo o órgão, poderia ensejar problemas com órgãos de controle, como o tribunal de contas.
A Saúde enviou à emissora carioca decisão de Fux que autorizou, em julho, outra propaganda, do Ministério da Educação, sobre o Enem, sem referência ao governo, mas com a assinatura da pasta. Neste mês de setembro, outra decisão, da ministra Rosa Weber, liberou a aparição de “Ministério da Saúde” na campanha nacional de imunização.
“Tratando-se de campanha que objetiva assegurar a autenticidade de informações de saúde pública, principalmente no tocante à vacinação com vista ao esclarecimento da população em geral e incentivo à sua participação, autorizo a veiculação pelo Ministério da Saúde como órgão responsável pela campanha”, escreveu Rosa.
O orçamento da campanha foi de R$ 20,8 milhões, sendo R$ 14,7 milhões em mídia. Desse montante, R$ 3,2 milhões foram gastos com espaço nas concorrentes da Globo. Outros R$ 2 milhões, segundo pessoa com acesso às negociações, seriam destinados à maior emissora do país.
OUTRO LADO
A Globo informou, por meio de duas notas, que as orientações de sua área comercial, feitas no e-mail à Fields, correspondem aos seus “procedimentos padrão, que evitam problemas com direitos e/ou apropriações indevidas”.
A emissora sustentou que, no caso das peças sobre vacinação, nenhuma das restrições teria sido impedimento para veicular a campanha se ela “tivesse vindo com a necessária autorização do TSE“.
“As ressalvas citadas [sobre personagens de concorrentes] foram feitas diante do recebimento do roteiro da campanha e retiradas quando do recebimento do filme pronto, cuja veiculação ficou pendente da expressa autorização do TSE para a veiculação com menção ao Ministério da Saúde, que nunca recebemos.”
A emissora disse que campanhas regionais sobre o mesmo assunto, com o devido “OK” dos tribunais regionais eleitorais, foram veiculadas pela Globo, além de “inúmeras reportagens” em telejornais.
A TV citou campanha sobre vacinação do Governo de SP, “que veio com expressa autorização do TRE-SP“. Segundo a Secretaria de Saúde de SP, seu filme era uma animação com personagens desconhecidos.
Fim !
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[i] Também já tivemos oportunidade de, sobre o processo eleitoral 2018, escrever, por exemplo, sobre:
⇒ o combate do TSE perante as fake news e, sobretudo, contra os chamados deepfakes (fakevideos) (clique aqui !);
⇒ a possibilidade de pessoas transexuais participarem da cota de gênero e de utilizarem seu nome social (clique aqui !); e
⇒ as recentes alterações nas normas sobre pesquisas eleitorais (clique aqui !).